domingo, 28 de julho de 2013

ORAÇÃO ANTIMACHISMO AVE VADIA CHEIA DE DESGRAÇA O SENHOR NÃO É CONVOSCO MAL DITA SOIS ENTRE AS MULHERES MAL DITO É O FRUTO DO VOSSO VENTRE QUE NÃO É JESUS PUTA VADIA, MÃE DO FILHO DA MÃE ROGAI POR NÓS, OS FILHOS MACHISTAS DAS PUTAS, AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE SIMBÓLICA AMEM E NÃO AMÉM! Nando Ático, EM HOMENAGEM ÀS VADIAS DAS MARCHAS! ENSINEM A TODOS NÓS A NÃO SERMOS MAIS MACHISTAS!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Prima Vera: ela é mais linda que sonhar com ela.



e

"Da homossexualidade das espécies". Por outro lado, por outro lado, por outro lado....

Tem circulado isto na internet:

"A homossexualidade foi encontrada em mais de 450 espécies. A homofobia só em uma. Qual é a antinatural?"

Um amigo associou essa questão a um certo deputado, cujo sobrenome é Bolsonaro. Decidi assim facebookear com meu amigo e disse assim:

As provocações bolsonarossaurianas rsrsrsrrs não passam de um discurso mesozóico que se atualiza porque certos eleitores, acho eu, querem se defender, só isso. Mas defender de quê, né? Defender a multiplicação da espécie, defender princípios morais... No entanto, diversidade, para mim, deve ser entendida como diversidade, até mesmo, de preconceitos. Todo mundo tem os seus. Agora, quando isso se institucionaliza, quando isso se torna perverso, quando isso gera violência física ou simbólica, é realmente preocupante, desumano e atenta contra a vida. Por outro lado, me incomoda a glamourização ou espetacularização da homossexualidade, que parece as vezes figurar como uma imposição forçada e artificial. Saída: educação pela aceitação para abrandamento das oposições. Também não gosto da palavra tolerância, pois pesa na ideia de suportar e não de aceitar. Retirando o sexismo da parada (gay) rsrsrsrs, subjetivamente falando, quem é que aceita todo mundo? Ninguém, ninguém, ninguém. Pensemos nesse embate como aquele jogo de um puxa a corda para um lado e outro puxa para o outro. Se um dos lados solta a corda, consequentemente a outra banda cai no chão. Insuflar o debate, por lenha na fogueira... nada disso ajuda. A condução generosa do debate nas instâncias políticas mais poderosas pode surtir algum efeito. Por enquanto, tratemos de cuidar de nos aceitar, mas não nos acomodar. Isso significa aceitar que estamos sempre em construção, podendo alterar convicções profundas a cada fase. Fundamentalismo não é praia, é cárcere.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A maldição da caixa d’água

Esquete teatral coletivamente criado por alunos e professores do Projeto Caixa d’Água, coordenado pelo prof. Luiz Fernando Matos Rocha e desenvolvido na Escola Municipal Murilo Mendes, sob a direção da profª. Adriana Perini Carvalho. Juiz de Fora (MG), 2009.

Cenário: sala de estar de uma casa simples.

Personagens: Michele, Joana, Stéfani, Carol, Maionese e Homem da caixa d’água (Chiquinho)

Michele, uma menina de 16 anos, depois de se arrumar para ir a um baile, vai até a janela. Chove forte.

MICHELE - Ai, meu Deus! (muxoxo) Logo hoje que eu vou ao baile com meu vestido novo, me acontece isso. E faz um tempão que não saio com as minhas amigas. Ô, chuva danada! Dá um tempo, São Pedro!

A luz pisca.

MICHELE – (assusta-se) Ai, São Pedro! Eu pedi tempo na chuva. Não é na luz, não.

A luz pisca de novo.

MICHELE – Foi mal, São Pedro! (faz o nome do pai)

Michele senta-se no sofá emburrada. Entra sua mãe, Joana.

JOANA - Que que aconteceu, minha filha? Você parece que viu assombração. Que cara é essa?

MICHELE - Ah, mãe! Essa chuva que não para. Como é que eu, a Stéfani e a Carol vamos ao baile hoje? Só se for descendo nessa enxurrada.

JOANA - É bom que você fica em casa estudando, coisa que você não faz há muito tempo.

MICHELE - Poxa, mãe, estudar sábado à noite? Eu estudei ontem. A senhora viu. Esqueceu?

JOANA - Mas estudar nunca é demais.

MICHELE - E nem se divertir.

JOANA - Sim, você está certa, mas você sabe: diversão rima com moderação.

MICHELE - Mas rima com animação também.

JOANA - Tudo bem, minha filha! Rimando ou não rimando, sair de casa com essa chuva você não sai.

MICHELE - Mas, mãe, e se a chuva parar?

JOANA- Vamos ver. Vamos ver.

Batidas na porta. Joana vai atender. São duas amigas de Michele: Stéfani e Carol. Elas chegam com sombrinhas.

STÉFANI - Nossa, tia Joana, tá uma chuva danada. Como é que nós vamos ao baile?

JOANA – Não vai. Fica em casa, vendo televisão.

CAROL - Tá um lamaçal danado exatamente na rua onde a gente passa para ir ao baile.

JOANA – Pois é. Falei, tá falado.

MICHELE – Já sei, mãe! Então, a gente vai ter que passar pelo beco da caixa d`água.

JOANA – Deus me livre! Nem pensar. Pelo beco da caixa d‘água, não. Você sabe muito bem que eu não gosto de lá. Aliás, vocês sabem muito bem.

STÉFANI - (estalando os dedos) Ah, tia, isso foi no tempo da senhora.

JOANA – Uma vez horripilante, sempre horripilante! Pelo beco da caixa d’água, não. Já disse.

CAROL - O jeito é ir pelo lugar onde a gente passa normalmente, com lama e tudo, e levar um par de sapatos na bolsa pra trocar quando chegar ao baile.

MICHELE - E o vestido vai sujar também!

STÉFANI – A gente pode levar o vestido do baile na bolsa e descer com uma roupa velha.

MICHELE – E a gente vai trocar de roupa aonde?

CAROL – No meio da rua que não é, Stéfani.

JOANA - Então vocês devem ficar em casa! O céu é que tá mandando. Chuva, pra gente, dificulta tudo. Ficamos ilhados no meio do morro. Esqueceram? Não passa ônibus, não dá pra comprar pão, não pode nem ir a uma farmácia. Hospital então? Nem pensar. É lama que não acaba mais. O jeito é esperar.

CAROL - Ah, não, tia! Infelizmente, a gente não tem nada pra fazer em casa.

STÉFANI - Você tá doida pra ir também.

Todas começam a rir, menos Joana, que sorri sem graça.

JOANA - Engraçadinhas! Já foi meu tempo. (à parte) Mal sabem elas.

Cai um trovão. Acaba a luz, e as meninas gritam.

JOANA - Michele, vai buscar vela na gavetinha do armário. Anda, menina! Na mesma gaveta, tem fósforo.

MICHELE – Ai, mãe, eu já vou. Ai, meu Deus, eu odeio escuro.

CAROL - Definitivamente, eu odeio trovão.

STÉFANI - Ah, larga de ser boba. Gente boba se assusta à toa.

De repente, alguém bate na porta com muita força. Stéfani se assusta mais do que as outras.

STÉFANI – Ai, meu Deus, quem será?

JOANA - Ai, minha Santa Bárbara! Deixa que eu abro.

Bate de novo, e as meninas gritam outra vez. Joana toma coragem e vai abrir a porta.

MICHELE - Mãe, não abre, não!

CAROL - Abre cuidadosamente, tia, deve ser ladrão.

STÉFANI - Desde quando ladrão bate na porta?

Batidas cada vez mais fortes

JOANA - Quem é?

Ninguém responde. Mais batidas.

STÉFANI - Se a gente não abrir, vai bater mais forte ainda.

MICHELE - Vai é derrubar a porta.

STÉFANI - Eu vou abrir essa porta e pronto e acabou.

No momento em que Stéfani se prepara para abrir a porta, um novo trovão e outras batidas na porta ocorrem. Stéfani volta gritando. A maçaneta se mexe. Maionese, um rapaz que mora ao lado, abre a porta.

MAIONESE - Ué, a porta tava aberta?

MENINAS – Maionese!

JOANA - Ô praga danada, você quase me matou do coração! Custava bater mais devagar.

MAIONESE - Desculpa, tia! Eu bati com força por causa do barulho da chuva.

JOANA - Mas precisava quase derrubar a porta? E o que que você veio fazer aqui?

MICHELE - (dissimulada) Não, mãe! Ele vai com a gente ao baile.

MAIONESE - Vou?!

CAROL - (dissimulada) Vai sim, logicamente! (belisca Maionese)

MAIONESE – Por que você tá me beliscando?

JOANA - Ué, se vocês sabiam que esse infeliz viria, por que vocês não me avisaram? Não teríamos tomado tanto susto.

CAROL - (dissimulada) Ah, tínhamos esquecido completamente.

STÉFANI - (acreditando) Ué, vai? Eu não sabia!

MICHELE E CAROL - (dissimuladas) Não acredito que você esqueceu, Stéfani!

MICHELE - Você não lembra que eu te falei isso na padaria?

CAROL - Quando você deixou cair a sacola de pão, lerdamente.

STÉFANI - (dissimulando meio sem graça) Ah, lembro sim.

MAIONESE - (dissimulado) Ah, eu não vou mais, não.

MENINAS – Vai, sim! Você combinou. Agora você vai ter que ir.

JOANA - Pois é, se o Maionese não for, vocês não vão.

MAIONESE - Isso! Sou eu quem decido. Se eu for, vocês vão ao baile. A companhia de um homem é muito importante nessa hora. Mas só se a chuva baixar, né, tia?

JOANA - É isso mesmo!

MAIONESE - (só para as meninas) Depois a gente conversa. Vocês três tão me devendo essa (manda beijinhos e pisca para as meninas).

MICHELE - (cutuca Stéfani) É, Stéfani, bem que você gostou da ideia. Ele mandou beijinho e tudo procê. Ele te paquera há muito tempo.

CAROL - É a sua chance, Stéfani, de repentemente.

STÉFANI - Ih, gente, pára com isso. O Maionese é só meu amigo.

JOANA - Posso saber o que que as mocinhas estão conversando?

STÉFANI - Não é nada não.

JOANA - Pode combinar o que vocês quiserem. Com chuva e sem o Maionese, vocês não vão sair daqui.

Outras batidas ainda mais fortes na porta. Tudo permanece escuro.

JOANA - Ué, gente, pelo jeito o baile vai ser aqui. Não para de chegar gente! Isso aqui tá parecendo a casa da mãe Joana.

MAIONESE – Tia, como a senhora se chama?

JOANA – Joana, menino. Você não sabe.

MAIONESE – E aqui é casa de quem?

JOANA – Ih, menino. Vê se não perturba!

STÉFANI - Deixa que eu abro a porta.

JOANA - Não, pode deixar que eu vou!

Joana abre a porta e não vê ninguém.

CAROL - Quem é, tia?

JOANA - (assustada) Ninguém!

CAROL - Não mente. Fala sinceramente!

JOANA - Eu tô falando, não tem ninguém!

MAIONESE - Deixa que eu vou ver.

STÉFANI - Eu vou com você.

MICHELE E CAROL – Tá namorando! Tá namorando! Tá namorando!

JOANA – Quem tá namorando aqui?

STÉFANI – É essas meninas inventando bobeira.

MAIONESE – É assim que você fala, minha lindura.

STÉFANI – Sai pra lá você também. Vai abrir a porta, seu machão de meia tigela.

MAIONESE – Eu vou provar que sou a verdadeira Maionese. Vou lá ver isso.

CAROL - Deixa que eu vou, gente.

MICHELE - Não! Eu vou.

Todos os três vão até a porta. Não veem ninguém. Cai um relâmpago. E todo mundo grita. O vento forte apaga as velas.

JOANA - Calma, gente! Calma! Vamos dar as mãos para ninguém se machucar.

MAIONESE - Opa! Pisaram no meu pé.

STÉFANI - Ai, meu cabelo!

MICHELE - De quem é essa mão aqui?

CAROL - Tem alguém me empurrando insistentemente.

Começa uma resmungação geral.

JOANA - Gente, tá todo mundo aí?

MICHELE - Eu tô aqui, mãe.

CAROL - Eu também tô presente. Carol, presentemente presente!

MAIONESE - Mente, mente, mente, para de falar tudo com “mente”. Que deprimente, coisa de gente impertinente!

Silêncio longo.

MICHELE - Mãe, tá faltando a Stéfani.

JOANA - Que tá faltando o que, menina! Stéfani, cadê você?

Aos poucos, todos começam a chamar por Stéfani.

CAROL - (implicando com Maionese) Maionese, tavezmente, você sabe onde a Stéfani está.

MAIONESE - Eu? Por que logo eu?

JOANA - Maionese, não se faça de bobo. A Stéfani sumiu, e a gente precisa encontrar essa menina, meu Deus!

MICHELE - Até parece que você é santo.

MAIONESE - Santo eu não sou, mas nem tudo é culpa minha!

JOANA – (nervosa) Eu quero todo mundo procurando a Stéfani agora.

MICHELE – Mas como a gente vai procurar ela no escuro, mãe?

CAROL – Não dá, sinceramente.

MAIONESE – Alguém sabe gritar aqui, gente?

Todos começam a chamar por Stéfani. Ela não aparece.

JOANA – Ai, minha Nossa Senhora! A mãe dela vai me matar. Como eu vou explicar esse sumiço?

MICHELE – E eu mãe? Eu vou carregar esse remorso de ter perdido minha amiga dentro da minha própria casa.

CAROL – Ai, minha amiga de infância sumiu, desapareceu misteriosamente! (chora)

MICHELE – O que aconteceu com a Stéfani, mãe?

MAIONESE - Ué, vocês nunca ouviram falar do homem da caixa d’água?

JOANA – Não repita mais isso, menino! Você está proibido de falar desse assunto.

MAIONESE – Por que, tia?

JOANA – Porque esse homem pode aparecer, seu maionese de ovo mole.

CAROL – Ih, gente, será que a Stéfani foi levada definitivamente pelo homem da caixa d’água?

JOANA – Vira essa boca pra lá, menina. Fica quieta! Se a gente fala o nome dele três vezes, em um dia de chuva como esse, ele aparece. E vocês não vão gostar de vê-lo de perto.

MICHELE - (assustada) Que homem? Do que vocês estão falando?

JOANA – Eu vou falar uma vez só. Prestem atenção. Não digam o nome dele, pelo amor de Deus. Ele aparece! E é por isso que eu vou contar tudo para que vocês não repitam o nome dele.

MAIONESE – Mas o nome dele é esse mesmo? Homem da...

Todas partem para cima de Maionese, gritando.

MAIONESE – Calma, eu não vou falar o nome do homem da...

Todas partem novamente para cima de Maionese, gritando.

MICHELE – Para, Maionese! A mãe tá passando mal. Mãe, a senhora tá bem?

JOANA – Já estou melhor, minha filha! É que essa história mexe muito comigo.

MAIONESE – Foi mal, tia. Desculpa.

CAROL – Tá vendo, ô murrinha. Quase faz a tia bater as botas subitamente.

MAIONESE – Eu não tô falando com você.

MICHELE – Carol e Maionese, querem fazer o favor... Mãe!

JOANA – Estou melhor minha filha, já falei. Como disse, eu vou falar uma só vez para que vocês nunca mais repitam o nome da coisa. Quando eu era menina, eu tinha um amigo que se chamava Chiquinho. Nós vivíamos juntos. Brincávamos juntos. Estudávamos juntos. Éramos unha e carne. Onde tava um tava o outro. Parecíamos irmãos. Uma vez, numa noite como essa, o céu parecia que ia desabar, o Chiquinho desapareceu. O bairro inteiro procurou ele debaixo de chuva e nada. Na época, muita gente achou que ele sumiu morro abaixo com a água da chuva, mas ninguém sabe dizer ao certo.

MICHELE – Ai, mãe! Será que isso aconteceu com a Stéfani?

JOANA – Não, minha filha. A verdade está muito além da compreensão dessas pessoas.

CAROL – Ai, tia, tô ficando com medo.

MAIONESE – Eu também.

JOANA – O Chiquinho foi levado pelo homem... (cala a própria boca), pela alma penada, e nunca mais voltou.

MAIONESE – Que alma penada mais ruim, meu Deus do Céu!

CAROL – Ô Maionese, se a alma é penada, não quer dizer que ela é ruim, seu mula penada.

JOANA – Isso mesmo, Carolzinha. A alma penada, a coisa, não era ruim, mas foi enfeitiçada pela magia da caixa d’água.

MICHELE – Como assim, mãe?

MAIONESE – A caixa d’água aqui do morro é enfeitiçada?

JOANA – É, mas ninguém costuma falar sobre isso aqui no morro. A maldição da caixa d’água é uma coisa que ninguém comenta de tanto pavor que todo mundo tem.

MICHELE – Mas a senhora já contou essa história, mãe. É a história da menina que morreu afogada lá.

JOANA – A história é muito pior que você imagina, minha filha. Agora que vocês estão grandinhos, eu posso contar tudo.

MAIONESE – Tô todo arrepiado, tia.

CAROL – Eu também. Mas explica uma coisa detalhadamente: o que essa história tem a ver com o sumiço da Stéfani?

JOANA – Pois é, minha filha. É que o sumiço do Chiquinho, meu amigo, aconteceu igualzinho ao dá Stéfani: noite de sábado, chuva forte, raios, relâmpagos. Batiam na porta aqui de casa e não era ninguém, como hoje. O Chiquinho tinha a mesma idade da Stéfani quando ele desapareceu. Tudo igualzinho, minha Nossa Senhora! (chora)

CAROL – Ai, meu Deus! O que é que a gente vai fazer agora?

MAIONESE – Ah, se eu pego esse homem da...

TODOS – Maionese, cala boca!

MAIONESE – Eu afogo esse homem no Paraibuna.

CAROL – Você já viu alguma assombração ser afogada, Maionese?

MICHELE – Fica quieto, garoto.

MAIONESE – Não fico enquanto não achar a Stéfani. Ela é a garota mais lindura aqui do bairro. Eu sou apaixonado por ela. Alma penada nenhuma vai tirar ela de mim.

JOANA – Mas tira, meu filho! Infelizmente.

CAROL – Infelizmente é pouco, tia. Terrivelmente!

MICHELE – Mãe, não tem jeito? Que maldição é essa?

JOANA – Dizem os antigos que existe no fundo da caixa d’água uma maldição horripilante. Uma vez, num dia de muita tempestade, como esse, um homem muito violento, que tinha perdido a esposa no parto, foi chorar as mágoas na caixa d’água. Chegando lá, ele foi tomado por uma fúria apavorante. Parecia um lobo de tanto que urrava de saudade. Berrava o nome da esposa e nem se preocupava com o filho que tinha acabado de nascer. Dizem que era um menino lindo. Ele gritava, gritava o nome da mulher. Jogava pedras na caixa d’água. Tudo o que ele via, atirava na caixa d’água. A noite inteira de chuva ele passou imprecando contra a pobre coitada e sujando a água. No dia seguinte, as torneiras das casas não saiam água, saiam uma lama preta e com cheiro muito ruim. O pobre homem achava que foi a água da caixa d’água que havia matado sua mulher. No dia seguinte, quando ele acordou e foi ver o filho, o menino havia desaparecido do berço. Desesperado, o homem se jogou na caixa d’água porque ele tinha a certeza de que o pobrezinho do filho tinha sido raptado pela maldição. Desde então, a maldição volta quando ela, a coisa, é chamada em dias como esse para substituir o menino raptado. Foi assim com o Chiquinho, e agora é com a Stéfani. (chora)

MAIONESE – Mas o que que o erro dos antigos tem a ver com a gente hoje?

JOANA – Tem porque se a gente maltrata aquele lugar, quem sofre somos nós.

MAIONESE – Se eu pego essa assombração, eu faço ela virar isopor. Deve ter um jeito de acabar com essa maldade, gente. Ah, mas se esse homem da...

Michele tapa a boca de Maionese.

MICHELE – Maionese, não é possível! Você já ouviu mais de mil vezes que não é para falar o nome do HOMEM DA CAIXA D’ÁGUA!

Michele põe a mão na boca. De repente, surge o Homem da Caixa D’Água.

HOMEM – Quem me chamou?

MAIONESE – Você pronunciou o nome dela a terceira vez.

JOANA – É ele. O homem da caixa d’água. Meu Deus! Ele parece...

CAROL – O que é que a gente vai fazer agora? Faça alguma coisa imediatamente, Maionese.

MAIONESE – Faz você, Carolmente!

HOMEM – Me chamou e agora vai se ver com as profundezas da caixa d’água. Eu sou o pai das águas do morro. Quem ousa me perturbar?

MAIONESE – Muito prazer, seu entidade! Meu nome é Eustáquio José, mas pode me chamar de Maionese, o verdadeiro.

HOMEM – Ah, sei! Sai pra lá pirralho ou você quer ser afogado numa poça d’água?

MAIONESE – Eu num quero falar, não, mas foi a Michele que chamou a senhor. Não fui eu.

HOMEM – Michele! Quem é a Michele? Nome bonito para me substituir no reino das profundezas da caixa d’água.

Joana entra na frente de Michele.

JOANA – Mas primeiro você tem que passar por cima de mim!

HOMEM – Não queira me enfrentar, pois nada pode com a água, nem fogo, nem gelo, nem terra, nem ar. Tudo está sob o meu controle! Eu governo o mundo, e quem é você para provar o contrário?

CAROL – Dependendo da quantidade, dá pra segurar o senhor sim. Tanto é que tava agarrado nas profundezas da caixa d’água.

MAIONESE – Muito bem, Carol! O senhor tá mais pra espirro do que pra enchente. Vem, que eu pego você. Cadê a Stéfani, hein?

MULHER – Espirro? Você me lembrou muito bem.

Ele espirra, e Maionese desmaia.

HOMEM – Viram como é fácil. Se eu faço isso com um espirro, imagine com um berro meu.

MICHELE – Não, homem da caixa d’água. Por favor, poupa a gente!

JOANA – Não, minha filha, essa história é comigo. Quem o senhor pensa que é, raptando as crianças do bairro, tirando elas de suas famílias, deixando todos desesperados porque você é uma assombração infeliz, frustrada?!

HOMEM – Bom! Vamos acabar com isso logo. Não gosto de ouvir desaforos. Preparem-se para sumir, preparem-se para desaparecer para sempre, preparem-se para serem esquecidos, preparem-se para evaporar!

JOANA – Alto lá! Eu sei como acabar com isso.

HOMEM – Com isso o quê?

JOANA – Com essa maldição! Eu sei um segredo que eu guardei desde menina. Mas como eu nunca me encontrei com você eu não pude revelar. Nunca tive coragem de te olhar de frente. Eu poderia ter lhe chamado três vezes há muito tempo.

MICHELE - Mãe, desculpa. Fui eu a causadora disso tudo. Eu que chamei ela pela terceira vez.

JOANA – Minha filha, não se torture. Você está me dando uma oportunidade de olhar frente a frente para esse homem e resolver um problema antigo.

Joana olha bem no rosto do homem.

JOANA - Você se parece com alguém que eu conheço.

HOMEM – E você não se parece com nada que conheço tamanha é sua insignificância. Nunca te vi e sempre te odiei! Eu vou afogar todos vocês. E vai ser agora.

JOANA – Antes eu quero que você me faça as três perguntas líquidas.

HOMEM – Quem te ensinou isso?

JOANA – Meu pai. Ele era um homem muito sábio.

HOMEM – Maldição! Quer dizer então que você sabe tudo sobre as três perguntas líquidas!

JOANA – Sim e estou pronta para respondê-las.

HOMEM – Tem certeza? Você sabe que, se errar uma delas, a caixa d’água vai estourar e provocar um dilúvio aqui no morro.

JOANA – Mas se eu acertar, “tudo se revelará”, dizia meu pai.

HOMEM – Prepare para a primeira pergunta líquida: quem se molha mais ao sol?

JOANA – (pensa) Quem se molha mais ao sol?

HOMEM – Não pode repetir a pergunta.

JOANA – Onde está escrito isso?

HOMEM – Nos manuscritos pluviais.

JOANA – Nunca li.

HOMEM – É para poucos.

JOANA - Eu sei a resposta.
HOMEM – Duvido.

JOANA – É gelo. A resposta é gelo.

HOMEM – E a resposta está EXATA! Eu falei exata? Você acertou? Você acertou! Vamos à segunda pergunta líquida: por que a torneira fica pingando?

JOANA – (pausa) Porque ela não sabe fungar!

HOMEM – E a resposta está E-E-EXATA! Eu falei exata! Você acertou de novo? Você acertou, acertou!!! E eu não sei porque, mas eu tô feliz. Que bom que você acertou. Parabéns! Vamos à terceira e última pergunta líquida. Essa é a mais difícil. Preste atenção! Vamos lá, hein! O que é? O que é? Cai em pé e corre deitado.

JOANA – Chuva!

HOMEM – Você é muito previsível. Essa era a resposta esperada, mas... mas... mas... eu tenho que lhe dizer que... você acertou!!! (desmaia)

Joana vê que o homem é seu amigo de infância, Chiquinho.

JOANA – O homem da caixa d’água é o Chiquinho, meu amigo que estava desaparecido. Chiquinho! Acorda!

CHIQUINHO – Joana, é você?

JOANA – Sou eu, meu amigo. A maldição foi destruída. Você está de volta!

Eles se abraçam.
MAIONESE – Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem. Mas nada da minha lindura aparecer. A Stéfani, seu entidade, cadê a paixão da minha vida? O senhor sumiu com ela.

A luz volta, e Stéfani está atrás de Maionese.

STÉFANI – Não, seu bobo. Eu tô aqui. (beija no rosto de Maionese). Acabei de voltar da casa do meu tio. Ele disse que vai levar a gente pro baile de carro. A chuva passou, gente!

MICHELE – A gente pode ir ao baile, mãe?

JOANA – Pode, minha filha! Vamos todos!

Todos comemoram.


FIM

Tsunamizar

Sem compaixão, sem intenção ou sem lógica intensional mesmo, a natureza ignora o humano em certos momentos terríveis da vida. Acabamos de assistir a isso. Tsunamis são implacáveis, de uma inexorabilidade que causa um horror indescritível; recorrente e mesmo assim inusitado. O pior: não podemos fazer nada ou quase nada. Isso me lembra um pouco Todorov, para quem o momento "fantástico" é a hesitação experimentada por seres que só conhecem as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural. O povo japonês, como nós, conhece, em geral, as leis naturais. Contudo, mesmo sabedores da imprevisibilidade dos acontecimentos e das tecnologias capazes de mitigar os efeitos de uma catástrofe natural, ainda experimentamos o aparente sobrenatural. É que queremos sempre dar sentido àquilo que não tem sentido. Explicações científicas, mesmo que benvindas, são tentativas rigorosamente desesperadoras de dar sentido. Solidariedade a distância. Não é disso que falo, por mais que seja legítimo. Lembro só da solidariedade ao próximo, a quem devemos, de acordo com nossos desejos, dizer sim ou não. Hesitemo-nos, sempre, antes de escolher, de decidir.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Gerúndio

Personagens:
DURVAL
JACIRA
TELEFONISTAS

Numa sala, Durval atende o telefone

TELEFONISTA - Boa tarde! Gostaria de estar falando com o Senhor Durval Antônio Matos Pinto.

DURVAL - Você não gostaria de falar simplesmente?

TELEFONISTA – (hesitante) Senhor Durval?!

DURVAL – Hum.

TELEFONISTA - Senhor Durval, meu nome kathlen Aparecida, da TELEAR, e estou entrando em contato para lhe informar que o senhor tem um débito de 382 reais e 23...

DURVAL - O quê?

TELEFONISTA - centavos, referente à conta do mês de março, cujo vencimento foi dia 15 do mesmo. Como hoje já vai estar fazendo 45 dias de atraso, a TELEAR está se comunicando para estar lembrando desse débito.

DURVAL - Espere um minutinho, por favor. (grita) Ô bem. Você viu a conta de telefone do mês de março? A mulher da TELEAR tá falando que a gente não pagou o telefone. (brinca) Se você não encontrar, a TELEAR vai estar cortando a nossa linha.

JACIRA - (em off) Ih! Deve tá na gavetinha do lado do negócio do coisa que a mamãe me deu.

DURVAL – (Impaciente) Ah, num tá lá não. Eu já mexi lá hoje pra procurar o canhoto do cheque. Lembra?

JACIRA - Ah, então olha no armário da cozinha, na porta perto do fogão ou vê se tá pendurada na geladeira no imã da melancia quebradinha perto do imã da vaca.

DURVAL – Ô bem, pelo amor de Deus, vem vê isso aqui pra mim que eu tô ocupado com a moça aqui. (para telefonista) Só mais um minuto. Nós vamos estar encontrando.

JACIRA - Eu também... Eu tô botando roupa na máquina. Depois você reclama que não tem roupa limpa pra trabalhar.

DURVAL - (indignado, para Jacira) Depois você reclama que não tem telefone pra conversar fiado com a sua mãe. (para telefonista) Alô, como é seu nome mesmo?

TELEFONISTA - Pois não, Kathlen Aparecida.

DURVAL - ô Kathlen Aparecida, o que eu preciso fazer para você cancelar minha linha, ou melhor, o que eu preciso fazer para você estar cancelando minha linha?

TELEFONISTA - O senhor poderia estar repetindo? Me desculpe, houve um problema e eu não escutei com clareza o que senhor disse.

DURVAL - Eu disse que eu quero cancelar a minha linha.

TELEFONISTA - Mas o senhor não precisa estar tomando essa atitude, mesmo porque existe um débito, e o Senhor vai ter que estar quitando esse débito para poder estar cancelando a linha. Mas a TELEAR não deseja que o senhor esteja cancelando a linha. Nós podemos estar parcelando o débito.

DURVAL – Ah sim, me lembrei, enquanto você estava aí dizendo, me recordei que eu já paguei a essa conta. Meses atrás ligou uma funcionária do banco, também cheia gerúndios, me perguntando se eu não gostaria de estar cadastrando minhas contas no débito automático para não ter que estar me preocupando elas. E eu aceitei a proposta dela, Kathlen Aparecida. Desse modo, ou a TELEAR ou o banco está cometendo um terrível engano...

TELEFONISTA - Se o Senhor já quitou a conta, pode estar desconsiderando essa cobrança.

DURVAL – Você sabe o que são 382 reais e não sei o quê centavos pra quem ganha 800 e num sei quê reais! Tudo bem, desconsiderado.

TELEFONISTA – Desculpe-me senhor, eu estou apenas informando o que está constando em meu sistem...

DURVAL - E você sabe o que está constando no meu sistema nervoso? Eu quero cancelar a linha! (para a platéia, nervoso) E tudo isso para minha mulher ficar fofocando com a minha sogra no telefone. (irônico) Aliás, fofocando não, elas não fofocam, elas tecem comentários sobre a vida alheia, como diz minha mulher. A propósito, minha sogra mora em Roraima. Seria perfeito não fosse essa idéia infeliz do Grahan Bell.

TELEFONISTA - Senhor, a TELEAR gostaria de estar informando que dispõe de uma série de planos promocionais que permitem controlar as suas ligações. Se o senhor não cancelar sua linha, nós podemos estar disponibilizando o pacote promocional: TELEAR, controle seu impulso no pulso; ou TELEAR Internacional que proporciona ao senhor estar ligando para algumas localidades conveniadas, a preços baixíssimos. O senhor vai poder estar falando com Suriname, Usbequistão, Alasca, Vladvostok, por apenas 15 centavos o minuto.

DURVAL – (irônico) eu tenho mesmo muitos parentes morando no Alasca, minha filha.

TELEFONISTA – O senhor poderia por gentileza estar me chamando por Kathlen Aparecida?

DURVAL - Kathlen Aparecida, por favor, releve. Já paguei, desconsiderei a cobrança, agora só quero mesmo cancelar minha linha.

TELEFONISTA- O senhor pode estar aguardando um minuto por gentileza, para que eu possa estar lhe transferindo para onde o senhor possa estar cancelando a linha.

DURVAL – Fazer o quê né, mas antes, uma última dúvida...

TELEFONISTA - Pois não, senhor.

DURVAL - Por que cargas d'água vocês usam todos os verbos no gerúndio. É um tal de ando, endo, indo, um tal de vou estar fazendo, vou estar transferindo, vou estar telefonando, vou estar vendendo... Pelo amor de Deus. Olha, eu sou professor de Português, e o que vocês estão fazendo... o que vocês fazem é um verdadeiro assassinato da língua portuguesa, sem bem que tem esse pessoal chato da Lingüística dizendo o contrário.

TELEFONISTA – Lamento estar importunando, senhor, mas... caso queira maiores detalhes, eu posso estar transferin....

DURVAL – Não! Pelo amor de Deus. Eu só quero estar cancelan... cancelar minha linha.

TELEFONISTA - Um instante, por favor.

Gravação - (música de fundo) A TELEAR tem o prazer de estar atendendo a sua chamada.
TELEAR, o sistema de telefonia que liga a terra, o mar e o ar, TELEAR. Não desligue, sua ligação é muito importante para nós. Aguarde alguns minutos que já iremos atendê-lo (música de fundo). A TELEAR tem o prazer de estar atendendo a sua chamada. TELEAR, o sistema de telefonia que liga a terra, o mar e o ar, TELEAR. Não desligue, sua ligação é muito importante para nós. Aguarde alguns minutos que já iremos atendê-lo (cessa música de fundo). Nossos ramais estão temporariamente ocupados, tente mais tarde. Agradecemos sua ligação.

DURVAL – Minha nossa senhora das telecomunicações... (entra JACIRA. Ele está de costas para ela e desliga)

JACIRA - Com quem você tava falando?

DURVAL - Com a Kathlen Aparecida.

JACIRA - Quem é essa mulher? Mais uma de suas alunas em dificuldades? (sem dar chance para ele falar) Deu pra conversar fiado pelo telefone, Durval? Olha, se eu atender alguma sirigaita dessas, eu corto seu objeto direto fora. Aí seu adjetivo, oh, vai virar um substantivo abstrato.

DURVAL - Ih, mulher, corta essa, ou melhor, num corta nada não. Ah, era a atendente da
TELEAR. Eles tão me cobrando a conta de março, de quando você ficou dependurada no telefone com a sua mãe por causa do tombo que seu pai levou? E o pior que ele só quebrou a unha do mindinho. Tombo quem tá levando sou eu, pagando quase que ligação internacional para você saber do dedinho do seu pai. Aposto que o dedo dele doeu menos tempo que esse tempo todo que eu estou conversando com essa Kathlen Aparecida, que como não bastasse não resolver o meu problema, só fala no gerúndio. O sujeito se estressa pô.

JACIRA - Eu é que vou estar resolvendo seu problema, seu muquirana. Choramingando por causa de um telefonemazinho.

DURVAL - Um não, vários! Mas sabe o que eu vou fazer agora? Desligar essa praga.

JACIRA – (desconfiada) Que papinho furado, Durval! Tava de conversa fiada pelo telefone e agora vem com essa de que vai desligar o telefone para eu não falar com a minha mãe. Quer ver só, vou rediscar pra pôr um ponto final nessa história. Fique aí paradinho. É o tempo da sirigaita atender para eu fazer, ó, seu ditongo virar hiato. Alô, quem tá falando? Mamãe?

DURVAL - Tomou.

JACIRA - Mamãe, o papai melhorou? A unha dele continua roxa. Continua? Ah, mamãe, daqui a alguns dias a unha dele vai estar caindo.

DURVAL - (desliga indignado o telefonema da esposa) Vai estar caindo? Pára de falar assim. Quer me deixar louco? Pegou a doença do gerúndio.

JACIRA - Não acredito que você fez isso?

DURVAL - Tanto fiz quanto vou cortar essa porcaria e vai ser agora.

JACIRA - (provocando e saindo) Desliga, o orelhão da esquina vai estar funcionando mesmo. Aí eu vou estar falando com a minha mãe, quando eu estiver querendo, e quero ver que desculpa você vai estar usando para estar manifestando sua inveja por eu estar sempre falando com a minha família, que é muito diferente da sua, que nem por telefone parece estar interessada em estar sabendo a quantas anda você!

DURVAL - (resmungando) Bla bla blá, eu vou cancelar isso. (disca)
música de fundo. A TELEAR tem o prazer de estar atendendo a sua chamada, nossa empresa está na terra, no mar e no ar, TELEAR. Boa tarde, digite ou fale 1 para planos promocionais, 2 para conserto de telefone, 3 para pagamentos de contas, 4 para planos DDI, 5 para segunda via de conta, 6 para adquirir nova linha e 9 para falar com um de nossos atendentes.

DURVAL - Nove.
música de fundo. A TELEAR tem o prazer de estar atendendo a sua chamada, nossa empresa está na terra, no mar e no ar, TELEAR. Aguarde pois estamos transferindo sua ligação. Para sua segurança, a conversa com nossos atendendes estará sendo gravada.

TELEFONISTA - Daniele de Fátima, boa tarde, em que posso ajudá-lo?

DURVAL - Eu quero cancelar minha linha.

TELEFONISTA - Por gentileza, com quem eu falo?

DURVAL - Durval Antônio Matos Pinto.

TELEFONISTA - Senhor Durval, no momento estou impossibilitada de estar transferindo sua chamada pois estamos com problemas em nosso sistema. O Senhor poderia por gentileza estar ligando mais tarde?

DURVAL - Eu só posso estar ligando agora.

TELEFONISTA - Senhor Durval, compreenda, neste momento estamos impossibilitados de estar cancelando sua linha.

DURVAL - Daniele, anote os dados na sua agenda e cancele quando o sistema voltar. Você sabe quanto tempo eu estou tentando cancelar minha linha? Então por favor, cancele ou me transfira para o setor responsável e muito obrigado.

TELEFONISTA - Só um minuto por gentileza. Acho que o sistema voltou. Vou transferir.
música de fundo. A TELEAR tem o prazer de estar atendendo a sua chamada, nossa empresa está na terra, no mar e no ar, TELEAR.

TELEFONISTA - Ângela Rosângela, em que posso servi-lo?

DURVAL – Ângela Rosângela, será que você poderia estar cancelando... cancelar minha linha?

TELEFONISTA - Com quem eu falo, por gentileza?

DURVAL - Durval Antônio Matos Pinto, tentando desesperadamente cancelar minha linha de telefone.

TELEFONISTA - Qual o número do seu telefone com o DDD por favor?

DURVAL - 049 5788-3692

TELEFONISTA - CPF, por gentileza?

DURVAL - 934378836-17

TELEFONISTA - RG e CEP?

DURVAL - 425783519, CEP 43885-012

TELEFONISTA – Existe um motivo para o senhor estar cancelando o serviço?

DURVAL - Gerúndio!

TELEFONISTA – Há algo que nós possamos estar fazendo para que o senhor reverta essa decisão?

DURVAL – Já cancelaram a minha linha?

TELEFONISTA - Em pouco nós estaremos terminando o atendimento e num prazo de 24 horas seu telefone não estará mais funcionando. Um momento, por favor.

DURVAL –( indignado para platéia) Incrível como meu débito sumiu no tempo entre uma ligação e outra?

TELEFONISTA - O cancelamento já está efetivado.

DURVAL - Finalmente. (desliga)

JACIRA - (entra) Bem, eu não gostaria de estar lhe comunicando esse problema nessa hor....

DURVAL - O que é que foi agora?

JACIRA - O orelhão da esquina não está funcionando. (vingativa) Acho que você vai ter que estar religando a linha. (ela sai correndo, ele sai atrás dela)

Vinheta final.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Falar "nóis fomo" é certo também: linguistas estudam o que todo mundo sabe

"A tragédia é a seguinte: todo mundo sabe que o ensino da língua portuguesa faliu nos últimos anos. Os resultados dos exames vestibulares são assustadores. Dentro da sala de aula, o panorama é absolutamente chocante: vinte anos de provas de múltipla escolha, mais falta de condições estruturais para lidar com a massificação da demanda à escola, mais péssima remuneração do magistério, mais absoluta falta de treinamento e atualização, mais crise teórica... e deu no que deu: hordas de analfabetos funcionais, muitos diplomados — nem por isso menos analfabetos."(SALOMÃO, M.. E onde é que a gente põe a gramática? Comunicação apresentada ao encontro “Problemas do ensino de português na região de Juiz de Fora”, realizado na UFJF, em 1989)

Embora proferido há vinte anos, o discurso da professora Margarida Salomão ainda pode ser aplicado aos dias de hoje. Diante da longa e atual fase de transição em que vivemos quanto ao ensino-aprendizado de língua materna, o novo milênio tem reservado um desafio especial para graduandos em Letras, professores de Língua Portuguesa e também para os demais docentes de outros saberes científicos: a preocupação com a linguagem, mediadora da relação aluno-professor em qualquer aula, seja de História, Geografia, Matemática ou Física. Todos dependem dela para que se dê a comunicação e a interação. Estamos entre o tradicionalismo daqueles que ainda norteiam suas aulas insistindo em privilegiar a Gramática Normativa e as novas propostas ancoradas nos modernos estudos lingüísticos, um fogo cruzado em que o único perdedor ainda é o aluno.

Tal impasse parece-nos, a princípio, estar fundamentado na resistência por parte do corpo docente de todos os níveis de ensino em ignorar as atuais investigações dos estudiosos em Ciências da Linguagem, que vêm fornecendo instrumentos efetivos para desenvolver nos alunos a habilidade de interpretar e redigir um texto. Isso é que os torna comunicativamente competentes e não o estudo puro e simples de metalinguagem, amplamente difundido pelo ensino da Gramática Normativa, que satura o aluno, condenado a decorar regras e exceções durante sua carreira escolar. E pior: ele chega ao vestibular sem saber Gramática Tradicional e sem saber ler e escrever bem.

Não há mais o que lamentar. A reação urge. O resgate da auto-estima dos professores deve passar pela atualização dos conteúdos e pela mudança de postura pedagógica. Sabemos que fórmulas pré-fabricadas, como a receita solada da Gramática Normativa, não são suficientes para dar conta das especificidades de cada sala de aula, principalmente quando se encara a língua com dinamicidade. O mais importante é o professor se munir dessas novas ferramentas teóricas para, aos poucos, ir adequando-as à sua realidade, desenvolvendo práticas próprias.

Não se trata aqui apenas de fazer um permuta simples e estúpida da tradição normativista pela Lingüística. Aos poucos, aqueles que ainda não conhecem as Ciências da Linguagem poderão perceber que as novas propostas vieram para realinhar os problemas, os quais fazem, por exemplo, com que professores dêem respostas evasivas como: “Isso é regra. Está na gramática e pronto”. Esse tipo de resposta deve incomodar até o próprio professor. Regras e regularidades devem ser aprendidas, ou melhor, inferidas, para fundamentar análises críticas. Sua repetição acrítica faz do aluno um sujeito passivo, acomodado em decorar matéria para as provas.

Embargo da mídia - É difícil encontrar um veículo de comunicação que abra espaço para reflexões como esta. Afinal, a tradição da Gramática Normativa também faz parte da formação da maioria dos jornalistas e editores. Além disso, são poucos os lingüistas que tentam suplantar esse embargo. O lingüista Marcos Bagno é um deles. Estudioso do preconceito lingüístico, Bagno, em um congresso na UFJF, disse que preconceito lingüístico é antes de tudo um preconceito social. Se uma pessoa fala, por exemplo, "parabéns, muita saúde, para que a gente estejamos sempre junto", logo outra torce o nariz. Torce o nariz não exatamente para o uso lingüístico em si, mas, de modo subjacente, para as origens sociais de quem lançou mão desse uso. E esse uso é cientificamente justificável, já que a língua se transforma ao longo do tempo. A língua muda. Para os lingüistas, isso é óbvio, mas não para aqueles que nunca ouviram falar em Lingüística.

Por outro lado, é muito difícil utilizar este espaço para veicular as divergências entre lingüistas e gramáticos normativos. Corre-se o risco de reduzir demasiadamente os conhecimentos sedimentados pelos estudos em linguagem ao longo de anos de pesquisa. No entanto, diante da grande quantidade de articulistas que prega certo purismo “gramatiqueiro” nos jornais, é preciso que haja uma reação. Uma reação que esclareça, pelo menos parcialmente, os pressupostos básicos e atuais no trato do fenômeno da linguagem é interessante para desencastelar certos conhecimentos que são velhos conhecidos dos lingüistas.

Variação em vez de erro - Um deles é que para o lingüista não existe certo e errado em termos de linguagem. A oração "nóis vai na casa do Jão cumer pexe", se proferida, é uma expressão bem formada para falantes de Português brasileiro. Não é errada, mas diferente. Trata-se apenas de uma variação que convive com "Nós vamos à casa do João comer peixe". Para os lingüistas, em geral, não há tanto problema em falar "pobrema", a não ser que, talvez, esse uso represente problema para alguém em determinado contexto. Por isso, é importante o professor discutir com o alunos os usos diferentes, ocorridos em contextos variados, para que o falante tenha condições de se adequar às situações de comunicação e, assim, não sofrer qualquer tipo de rejeição ou discriminação.

Trata-se de um problema de quem rejeita ou de quem é rejeitado? No lado de quem rejeita, sinaliza-se desrespeito com quem verbalizou o "erro", pois desprezam-se suas origens sociais e geográficas. No lado de quem é rejeitado, fala-se de uma inabilidade em se ajustar ao padrão, ocorrendo ainda uma auto-rejeição. Mas que padrão é esse? O do Jornal Nacional? O da "Gramática"? Tudo bem, vamos considerar ambos, que são vinculados sobremaneira à escrita, mas não estritamente à fala — neste âmbito é importantíssimo separar língua escrita de língua falada. Então, qual é o padrão da fala corrente? Não há um padrão entre os falares, mas vários. Por que não admitir os diversos padrões? Eles podem interagir entre si e não se excluírem. O que geralmente se exclui não é a forma de expressão, mas o que ela sinaliza, ou seja, novamente as origens sociais de quem a utiliza.

Contudo, ainda impera a exclusão pela linguagem. E isso reflete em sala de aula quando alguns professores dizem: "É errado falar 'pra mim fazer'. O correto é 'para eu fazer'. O uso de "mim" com sujeito de infinitivo já é largamente difundido entre nós na fala. Classificar como incorreto, geralmente, é uma imposição banal sem sustentação teórica. Uma escola que reitera preconceitos é inadmissível, mas a maioria dos professores não sabe que está sendo preconceituosa. Entretanto, não se dá o trabalho de perguntar por que os usos “errados” ocorrem. Por isso, antes de ser professor, o profissional deve ser um leitor, aberto às novidades anunciadas pelos pesquisadores. Se o professor se embrenhar nos rumos da pesquisa, melhor ainda, pois perceberá isso na prática.

Internet e escrita escolar - A mestre em Letras pela UNINCOR (Três Corações - MG), Regina Lúcia de Araújo, defendeu uma dissertação sobre "O chat e a produção da escrita escolar". Um dos aspectos discutidos é a preocupação dos professores com a influência “nociva” da linguagem da internet na escrita escolar. O receio é que expressões como "vc" (você), "blz" (beleza), "kd" (cadê) e "aki" (aqui) degenerem a escrita dos alunos. Para verificar se isso ocorria, Regina pediu que alunos escrevessem bilhetes espontaneamente para amigos e parentes, numa interação de sala de aula. Nesses bilhetes, os alunos abusaram de expressões usadas em salas de bate-papo virtuais. Num segundo momento, a professora solicitou aos mesmos alunos que rescrevessem tais bilhetes, só que dessa vez valendo nota. Aí os alunos reduziram sensivelmente o uso das expressões virtuais. Isso prova que eles sabem se adequar às diferentes situações comunicativas: uma coisa é escrever espontaneamente; outra é se adequar a uma situação formal de comunicação, como a prova. Se o aluno sabe se adequar, só subvertendo as situações quando quer, é sinal de que não há necessidade tratar a internet como o monstro da vez.

O fato é que sabemos usar a linguagem muito mais do que achamos que sabemos. Dependendo do contexto, falar "nóis fomo", por exemplo, pode ser um recurso de persuasão poderoso. Durante um show de música sertaneja de raiz, por exemplo, o violeiro tem mais chances de estabelecer empatia com a platéia se for fiel às suas origens lingüísticas do que aquele que preferir (se isso for possível) adotar o Português de Machado de Assis. O sertanejo está errado por isso? Não. Está sendo adequado. Então, já podemos, quem sabe, trocar as expressões "certo" e "errado" por "adequado" e "inadequado", como preferem os linguistas.

Eu e Adriana

domingo, 3 de maio de 2009

A minha preguiça

Não posso dedicar este livro aos preguiçosos. Como eles são como são, não vão nem saber que este livro existe. Eu dedico a quem não tem preguiça de ler, a quem gosta de uma coisa de que não gosto muito. Por isso, não vou dedicar nem a mim mesma. Pelo menos por enquanto.

Ai que preguiça danada de começar a escrever este livro! Ela não me deixa nem pensar, quanto mais colocar as idéias no papel. É verdade que eu já passei a perna nela porque o livro está pronto. Espero que você também faça a mesma coisa. Eu coloquei muito desenho colorido e a letra bem grande para a gente não dormir antes de ler tudo.


Bom, tem mais de quatro meses que estou enrolando o meu tio por causa deste livro. Ele ficou enchendo a minha paciência porque acha que escrever sobre preguiça ajuda a acabar com ela. Vamos ver. Vou fingir que a tal da moleza não existe e vou escrever mesmo que minha mão fique dormente e doa.


Eu sou uma menina de dez anos, e faz oito anos que sou preguiçosa. Dez menos oito é igual a dois. Certo? Então o que é que aconteceu que me deixou assim nessa época? Não vou responder agora. Será que você vai ser curioso o bastante para enganar a preguiça e ler tudo até o fim? Preguiça por preguiça, estamos juntos na preguicite. Se você já está bocejando só de ler, já estou segurando o queixo de tanto escrever.


A minha preguiça dá muito quando vou estudar. Em casa, é mais difícil porque estou sozinha. Na escola, passa mais rápido porque tem muita gente. Engraçado, não me dá preguiça quando vou brincar. Mas dá na hora de arrumar a bagunça. Na hora de juntar os brinquedos, que moleeeeeza! Não dá na hora de ir ao clube, brincar com os colegas e mergulhar na piscina. Dá na hora de voltar porque tenho que tomar banho. Na piscina, tem água. No chuveiro, também. Que diferença faz? A água de uma é mais divertida que a água de outro. A preguiça só dá quando tenho que fazer alguma coisa chata. Que chatices dão preguicites? Tenho muita, mas muita, preguiça de fazer dever.


- Sarah, vai fazer o dever agora!, diz a mamãe ou a vovó.


É o bastante para eu ir emburrada para a minha escrivaninha. Meu bico quase esbarra na folha de papel. Quando estou em cima dos cadernos, o sono é tão forte que quase me faz babar. Lutar contra ele é uma luta. E lutar cansa. Quer melhor descanso do que brincar? Mas tenho que fazer o dever. Que coisa!


E quando alguém me pede outra coisa, achando que está pedindo, mas dando uma ordem: Vai comprar pão! Vai lavar louça! Vai ajeitar a cama! Vai fazer o dever! Vai tirar poeira do móvel! Vai passar pano! Vai cuidar do seu irmão. Ai que preguiiiiiiiiiiiiiiça!!!!!! Se eu não tivesse que fazer essas coisas, eu ia ficar o dia inteiro no sofá vendo televisão. Tenho preguiça até de passar protetor solar. Não sou tão pequenininha mais. Tenho muita pele no corpo. E aí, haja paciência. Mas, ao mesmo tempo, sei que vou sofrer com as conseqüências de não ter passado. Vou ficar toda queimada. Vou descascar. Mais preguiça vou ter para me tratar depois. Prefiro economizar uma preguiça forte prevenindo com outra.


Com tudo isso, fica parecendo que não tenho paciência para nada. Por exemplo: eu não tenho preguiça de me arrumar para sair. Adoro passear. Eu não tenho preguiça de ficar na sala de bate-papo da internet. Aí não tenho preguiça de escrever. Por que será?


Eu fico me perguntando outra coisa: se você for preguiçoso, como está agüentado ler minha história até aqui? Ela é rapidinha. Já vai acabar. Calma! Nós, preguiçosos, gostamos mais de ver gravuras do que ler textos. Por isso, meu livro tem muitas gravuras. Meu tio falou que elas também são para serem lidas. Então, desse jeito, eu gosto de ler.


Mas, ai, meu Deus, vem ela outra vez! Para falar a verdade, estou com a mão doendo desde quando comecei a escrever a letra A do título. Bom, respiro fundo. Coço a cabeça. Levanto da cadeira. Bebo água. Vou ao banheiro. Lavo o rosto. Assim, a preguiça se afasta. Agora posso voltar a escrever.


Já me disseram uma vez:
— Se você tá escrevendo um livro sobre suas preguiças, é porque você sabe que é preguiçosa?


Se eu sei que tenho preguiça, porque não melhoro a preguiça? Porque tenho preguiça de melhorar a preguiça. Ai que infinito! Devia ter feito menos texto. Dava menos trabalho e não me embolava tanto. Vou acabar a minha história agora. Tô com pregui... Ah, não. Vou responder a pergunta que eu deixei sem resposta para que vocês não tenham preguiça de ler até aqui. Um suspense sempre assusta a preguiça.



Então o que é que aconteceu que me deixou assim? Quando eu tinha dois anos, fui passear na cidade de Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais. Lá tinha uma praça com muitos animais que, coincidentemente, eram chamados de preguiça. Eu estava sentada no colo do meu pai quando aquele bicho peludo de unhas grandes apareceu. Eu passei a dividir o colo do meu pai com uma preguiça. E, assim, faz oito anos que sou preguiçosa. Aí, quando as pessoas me perguntam
porque eu tenho preguiça, eu conto essa história. Eu jogo sempre a responsabilidade no animal, não em mim. Pobre coitado! Mas aí ninguém prolonga muito o assunto, depois de rir da minha piada.



Mas, falando sério, acho que preguiça, você não pega. É uma coisa que está dentro da gente. Com o passar do tempo, ela desperta. Me sinto chateada quando estou com preguicite. Moleza cansa também! É uma inflamação que só um anti-inflamatório de ânimo dá jeito. É verdade que estou com preguiça de terminar de escrever essa bula de entusiasmo, mas cada um que crie a sua. Bom, se você me leu até aqui, não deve ter tanta preguiça assim. E nem eu devo ter tanta preguiça assim porque eu já escrevi muito.


Meu tio falou que com o tempo a danada passa. A gente tem que descobrir, por conta própria, uma maneira gostosa de afogar a preguiça. Não o animal, tadinho! Bom, tudo isso me fez pensar o seguinte: se eu leio e escrevo no chat, não reclamo. Se eu leio e escrevo no caderno, reclamo. Já sei! Vou fazer do meu caderno uma sala de bate-papo, onde aprendo conversando, onde converso aprendendo. Meu caderno será meu diário de conhecimento. Agora eu entendi porque a água do chuveiro e da piscina são a mesma água. Eu é que tenho que encarar a mesma água com a mesma alegria. Ler e escrever pode não ser chato se vejo motivo para ler e escrever.



Sarah e eu

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Em vez de plágio, pesquisa: institucionalização de grupos de pesquisa na Educação Básica ajuda a prevenir crimes contra a autoria

É curioso, mas aquelas que são consideradas normalmente as duas disciplinas mais importantes — Língua Portuguesa e Matemática — nunca (ou raramente) são objetos de pesquisa na escola (BAGNO, Marcos. Pesquisa na Escola: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2003, p. 65).


A criação e a institucionalização de grupos de pesquisa no âmbito da Educação Básica justificam-se por quatro razões primordiais. A primeira centra-se na questão de se exaltar a relevância da pesquisa científica que prima pela investigação feita com o intuito expresso de se obter conhecimento específico sobre determinado assunto. No entanto, grande parte dos estudantes não é preparada para tal empreendimento, justamente pela carência de professores interessados em pesquisa, no Ensino Médio e Fundamental. Por isso, em vez de pesquisar, quando são solicitadas tarefas que envolvem investigação aprofundada sobre um tema, muitos alunos (e por que não os próprios professores?) copiam integralmente trechos de Internet, enciclopédias, livros, revistas e jornais, sem critérios metodológicos, agindo como reprodutores acríticos de textos, às vezes, sem se dar o trabalho de ler o que simplesmente plagiaram.



Por conseguinte, pelo menos nessa perspectiva, não há avanço intelectual, e a produção de conhecimento não se efetiva de forma a fazer com que o aluno se sinta autor da construção do próprio saber. Gera-se um círculo vicioso no qual o professor finge que ensina a pesquisar, e o aluno, numa ingenuidade sabotadora, finge que pesquisa. O resultado disso é a apatia ao invés de interesse pelo conhecimento, o qual seria decisivo para a formação de cidadãos capazes de enfrentar as arraigadas desigualdades sociais e as incertezas de uma boa colocação no competitivo mercado de trabalho. Então, é necessário disponibilizar um espaço de discussão capaz de nutrir o gosto pela verdadeira pesquisa, o que pode ser muito estimulante no processo de sedução do aluno para o conhecimento.



Levando-se em conta que a pesquisa criteriosa, pelo menos em termos de linguagem, é mais comumente realizada no Ensino Superior, as vantagens de se difundir esse tipo de investigação em um ambiente basilar de ensino concentram-se no lançamento de fundamentos sólidos para a edificação de um espírito honesto, crítico e dinâmico no trato com o conhecimento. Se esse perfil é consolidado, contribui-se realmente para um valioso processo de transformação social, aquele em que o aluno, de paciente, torna-se agente de sua história intelectual.



Preconceito de linguagem - Tais aspectos servem de base para a segunda justificativa: o aluno que se envolve com pesquisas de linguagem, por exemplo, colabora para a desconstrução do preconceito lingüístico. Considerando-se os trabalhos do lingüista Marcos Bagno, sabe-se hoje que as críticas pejorativas a quem fala “errado” escondem uma discriminação social avassaladora de uma suposta elite contra a maioria que, em boa parte dos casos, não teve a oportunidade de freqüentar a escola. Como os alunos de ensino público são, em geral, de classes socialmente desprivilegiadas, a pesquisa na escola se faz necessária no sentido de provar para os próprios alunos que eles não falam errado e que eles não são piores porque utilizam uma língua distante das Gramáticas Tradicionais. Falar diferente não significa falar errado.



Uma das prioridades desse tipo de investigação é conscientizar os falantes de Língua Portuguesa que eles são capazes de produzir uma linguagem que atenda às suas necessidades comunicativas de modo eficiente. Cabe ressaltar que a variante "culta" também deve ser respeitada, mas tanto quanto aquelas que são atualmente marginalizadas. Como afirmam muitos lingüistas, é importante tornar o aluno um poliglota em sua própria língua, ou seja, fazer com que ele reconheça e respeite os vários registros diferentes no Português Brasileiro e em qualquer língua, independentemente de juízo de valor.



No entanto, a consciência contra a discriminação lingüística e social não basta. Há uma terceira justificativa para a pesquisa no Ensino Básico. Além de desconstruir tabus relacionados à linguagem, a criação de grupos de pesquisa nas escolas tem como objetivo estimular o exercício da elaboração de hipóteses científicas que sustentariam, por exemplo, tais variações lingüísticas. Às vezes, isso parece inviável, mas o professor pode fazer com que o aluno deduza a existência de variantes de linguagem bem como suas regularidades próprias. Fazer o aluno inferir é mediar a construção do conhecimento com eficiência. A partir da tomada de consciência de questões como essas, esse aluno se sentiria mais autorizado a transitar em ambiente sociais variados, adequando-se com grande propriedade às situações comunicativas que lhe são impostas.



É notória a necessidade de se preencher uma lacuna existente no Ensino Básico: a pesquisa com rigor científico evidentemente adaptada à clientela. Por que as agências de fomento destinam a maioria de seus recursos ao nível superior de ensino? Justificar a importância da fundação de um grupo institucional de pesquisa é justificar oficialmente a relevância da produção de conhecimento para a sociedade. Além de constituir um pioneirismo para qualquer município em termos nacionais, legitimar um grupo de pesquisa voltado para investigação científica em nível de Educação Básica é remover antecipadamente barreiras sociais e psicológicas que detêm o avanço do cidadão transformador e crítico.



Prevenção do plágio - Por último, o estímulo à pesquisa no Ensino Médio e Fundamental é uma forma de prevenir, com boa margem de antecipação, o plágio intelectual, infelizmente comum em todos os níveis de ensino, especialmente no Superior. Antes de ser considerado ilícito, o ato de apresentar como próprio um trabalho de outra pessoa nasce muito por conta da insegurança dos alunos, causada pelas lacunas de aprendizagem ao longo da carreira escolar. O estudante que sempre cultuou a pesquisa dificilmente precisaria pagar um ghost writer (escritor-fantasma) ou simplesmente plagiar textos por conta própria para cumprir suas tarefas acadêmicas. Se o valor da pesquisa for disseminado já nos primeiros anos de ensino, a escola que plagia passaria à escola que pesquisa, ou seja, que aposta no perfil crítico de aluno.


Eu e Adriana