Esquete teatral coletivamente criado por alunos e professores do Projeto Caixa d’Água, coordenado pelo prof. Luiz Fernando Matos Rocha e desenvolvido na Escola Municipal Murilo Mendes, sob a direção da profª. Adriana Perini Carvalho. Juiz de Fora (MG), 2009.
Cenário: sala de estar de uma casa simples.
Personagens: Michele, Joana, Stéfani, Carol, Maionese e Homem da caixa d’água (Chiquinho)
Michele, uma menina de 16 anos, depois de se arrumar para ir a um baile, vai até a janela. Chove forte.
MICHELE - Ai, meu Deus! (muxoxo) Logo hoje que eu vou ao baile com meu vestido novo, me acontece isso. E faz um tempão que não saio com as minhas amigas. Ô, chuva danada! Dá um tempo, São Pedro!
A luz pisca.
MICHELE – (assusta-se) Ai, São Pedro! Eu pedi tempo na chuva. Não é na luz, não.
A luz pisca de novo.
MICHELE – Foi mal, São Pedro! (faz o nome do pai)
Michele senta-se no sofá emburrada. Entra sua mãe, Joana.
JOANA - Que que aconteceu, minha filha? Você parece que viu assombração. Que cara é essa?
MICHELE - Ah, mãe! Essa chuva que não para. Como é que eu, a Stéfani e a Carol vamos ao baile hoje? Só se for descendo nessa enxurrada.
JOANA - É bom que você fica em casa estudando, coisa que você não faz há muito tempo.
MICHELE - Poxa, mãe, estudar sábado à noite? Eu estudei ontem. A senhora viu. Esqueceu?
JOANA - Mas estudar nunca é demais.
MICHELE - E nem se divertir.
JOANA - Sim, você está certa, mas você sabe: diversão rima com moderação.
MICHELE - Mas rima com animação também.
JOANA - Tudo bem, minha filha! Rimando ou não rimando, sair de casa com essa chuva você não sai.
MICHELE - Mas, mãe, e se a chuva parar?
JOANA- Vamos ver. Vamos ver.
Batidas na porta. Joana vai atender. São duas amigas de Michele: Stéfani e Carol. Elas chegam com sombrinhas.
STÉFANI - Nossa, tia Joana, tá uma chuva danada. Como é que nós vamos ao baile?
JOANA – Não vai. Fica em casa, vendo televisão.
CAROL - Tá um lamaçal danado exatamente na rua onde a gente passa para ir ao baile.
JOANA – Pois é. Falei, tá falado.
MICHELE – Já sei, mãe! Então, a gente vai ter que passar pelo beco da caixa d`água.
JOANA – Deus me livre! Nem pensar. Pelo beco da caixa d‘água, não. Você sabe muito bem que eu não gosto de lá. Aliás, vocês sabem muito bem.
STÉFANI - (estalando os dedos) Ah, tia, isso foi no tempo da senhora.
JOANA – Uma vez horripilante, sempre horripilante! Pelo beco da caixa d’água, não. Já disse.
CAROL - O jeito é ir pelo lugar onde a gente passa normalmente, com lama e tudo, e levar um par de sapatos na bolsa pra trocar quando chegar ao baile.
MICHELE - E o vestido vai sujar também!
STÉFANI – A gente pode levar o vestido do baile na bolsa e descer com uma roupa velha.
MICHELE – E a gente vai trocar de roupa aonde?
CAROL – No meio da rua que não é, Stéfani.
JOANA - Então vocês devem ficar em casa! O céu é que tá mandando. Chuva, pra gente, dificulta tudo. Ficamos ilhados no meio do morro. Esqueceram? Não passa ônibus, não dá pra comprar pão, não pode nem ir a uma farmácia. Hospital então? Nem pensar. É lama que não acaba mais. O jeito é esperar.
CAROL - Ah, não, tia! Infelizmente, a gente não tem nada pra fazer em casa.
STÉFANI - Você tá doida pra ir também.
Todas começam a rir, menos Joana, que sorri sem graça.
JOANA - Engraçadinhas! Já foi meu tempo. (à parte) Mal sabem elas.
Cai um trovão. Acaba a luz, e as meninas gritam.
JOANA - Michele, vai buscar vela na gavetinha do armário. Anda, menina! Na mesma gaveta, tem fósforo.
MICHELE – Ai, mãe, eu já vou. Ai, meu Deus, eu odeio escuro.
CAROL - Definitivamente, eu odeio trovão.
STÉFANI - Ah, larga de ser boba. Gente boba se assusta à toa.
De repente, alguém bate na porta com muita força. Stéfani se assusta mais do que as outras.
STÉFANI – Ai, meu Deus, quem será?
JOANA - Ai, minha Santa Bárbara! Deixa que eu abro.
Bate de novo, e as meninas gritam outra vez. Joana toma coragem e vai abrir a porta.
MICHELE - Mãe, não abre, não!
CAROL - Abre cuidadosamente, tia, deve ser ladrão.
STÉFANI - Desde quando ladrão bate na porta?
Batidas cada vez mais fortes
JOANA - Quem é?
Ninguém responde. Mais batidas.
STÉFANI - Se a gente não abrir, vai bater mais forte ainda.
MICHELE - Vai é derrubar a porta.
STÉFANI - Eu vou abrir essa porta e pronto e acabou.
No momento em que Stéfani se prepara para abrir a porta, um novo trovão e outras batidas na porta ocorrem. Stéfani volta gritando. A maçaneta se mexe. Maionese, um rapaz que mora ao lado, abre a porta.
MAIONESE - Ué, a porta tava aberta?
MENINAS – Maionese!
JOANA - Ô praga danada, você quase me matou do coração! Custava bater mais devagar.
MAIONESE - Desculpa, tia! Eu bati com força por causa do barulho da chuva.
JOANA - Mas precisava quase derrubar a porta? E o que que você veio fazer aqui?
MICHELE - (dissimulada) Não, mãe! Ele vai com a gente ao baile.
MAIONESE - Vou?!
CAROL - (dissimulada) Vai sim, logicamente! (belisca Maionese)
MAIONESE – Por que você tá me beliscando?
JOANA - Ué, se vocês sabiam que esse infeliz viria, por que vocês não me avisaram? Não teríamos tomado tanto susto.
CAROL - (dissimulada) Ah, tínhamos esquecido completamente.
STÉFANI - (acreditando) Ué, vai? Eu não sabia!
MICHELE E CAROL - (dissimuladas) Não acredito que você esqueceu, Stéfani!
MICHELE - Você não lembra que eu te falei isso na padaria?
CAROL - Quando você deixou cair a sacola de pão, lerdamente.
STÉFANI - (dissimulando meio sem graça) Ah, lembro sim.
MAIONESE - (dissimulado) Ah, eu não vou mais, não.
MENINAS – Vai, sim! Você combinou. Agora você vai ter que ir.
JOANA - Pois é, se o Maionese não for, vocês não vão.
MAIONESE - Isso! Sou eu quem decido. Se eu for, vocês vão ao baile. A companhia de um homem é muito importante nessa hora. Mas só se a chuva baixar, né, tia?
JOANA - É isso mesmo!
MAIONESE - (só para as meninas) Depois a gente conversa. Vocês três tão me devendo essa (manda beijinhos e pisca para as meninas).
MICHELE - (cutuca Stéfani) É, Stéfani, bem que você gostou da ideia. Ele mandou beijinho e tudo procê. Ele te paquera há muito tempo.
CAROL - É a sua chance, Stéfani, de repentemente.
STÉFANI - Ih, gente, pára com isso. O Maionese é só meu amigo.
JOANA - Posso saber o que que as mocinhas estão conversando?
STÉFANI - Não é nada não.
JOANA - Pode combinar o que vocês quiserem. Com chuva e sem o Maionese, vocês não vão sair daqui.
Outras batidas ainda mais fortes na porta. Tudo permanece escuro.
JOANA - Ué, gente, pelo jeito o baile vai ser aqui. Não para de chegar gente! Isso aqui tá parecendo a casa da mãe Joana.
MAIONESE – Tia, como a senhora se chama?
JOANA – Joana, menino. Você não sabe.
MAIONESE – E aqui é casa de quem?
JOANA – Ih, menino. Vê se não perturba!
STÉFANI - Deixa que eu abro a porta.
JOANA - Não, pode deixar que eu vou!
Joana abre a porta e não vê ninguém.
CAROL - Quem é, tia?
JOANA - (assustada) Ninguém!
CAROL - Não mente. Fala sinceramente!
JOANA - Eu tô falando, não tem ninguém!
MAIONESE - Deixa que eu vou ver.
STÉFANI - Eu vou com você.
MICHELE E CAROL – Tá namorando! Tá namorando! Tá namorando!
JOANA – Quem tá namorando aqui?
STÉFANI – É essas meninas inventando bobeira.
MAIONESE – É assim que você fala, minha lindura.
STÉFANI – Sai pra lá você também. Vai abrir a porta, seu machão de meia tigela.
MAIONESE – Eu vou provar que sou a verdadeira Maionese. Vou lá ver isso.
CAROL - Deixa que eu vou, gente.
MICHELE - Não! Eu vou.
Todos os três vão até a porta. Não veem ninguém. Cai um relâmpago. E todo mundo grita. O vento forte apaga as velas.
JOANA - Calma, gente! Calma! Vamos dar as mãos para ninguém se machucar.
MAIONESE - Opa! Pisaram no meu pé.
STÉFANI - Ai, meu cabelo!
MICHELE - De quem é essa mão aqui?
CAROL - Tem alguém me empurrando insistentemente.
Começa uma resmungação geral.
JOANA - Gente, tá todo mundo aí?
MICHELE - Eu tô aqui, mãe.
CAROL - Eu também tô presente. Carol, presentemente presente!
MAIONESE - Mente, mente, mente, para de falar tudo com “mente”. Que deprimente, coisa de gente impertinente!
Silêncio longo.
MICHELE - Mãe, tá faltando a Stéfani.
JOANA - Que tá faltando o que, menina! Stéfani, cadê você?
Aos poucos, todos começam a chamar por Stéfani.
CAROL - (implicando com Maionese) Maionese, tavezmente, você sabe onde a Stéfani está.
MAIONESE - Eu? Por que logo eu?
JOANA - Maionese, não se faça de bobo. A Stéfani sumiu, e a gente precisa encontrar essa menina, meu Deus!
MICHELE - Até parece que você é santo.
MAIONESE - Santo eu não sou, mas nem tudo é culpa minha!
JOANA – (nervosa) Eu quero todo mundo procurando a Stéfani agora.
MICHELE – Mas como a gente vai procurar ela no escuro, mãe?
CAROL – Não dá, sinceramente.
MAIONESE – Alguém sabe gritar aqui, gente?
Todos começam a chamar por Stéfani. Ela não aparece.
JOANA – Ai, minha Nossa Senhora! A mãe dela vai me matar. Como eu vou explicar esse sumiço?
MICHELE – E eu mãe? Eu vou carregar esse remorso de ter perdido minha amiga dentro da minha própria casa.
CAROL – Ai, minha amiga de infância sumiu, desapareceu misteriosamente! (chora)
MICHELE – O que aconteceu com a Stéfani, mãe?
MAIONESE - Ué, vocês nunca ouviram falar do homem da caixa d’água?
JOANA – Não repita mais isso, menino! Você está proibido de falar desse assunto.
MAIONESE – Por que, tia?
JOANA – Porque esse homem pode aparecer, seu maionese de ovo mole.
CAROL – Ih, gente, será que a Stéfani foi levada definitivamente pelo homem da caixa d’água?
JOANA – Vira essa boca pra lá, menina. Fica quieta! Se a gente fala o nome dele três vezes, em um dia de chuva como esse, ele aparece. E vocês não vão gostar de vê-lo de perto.
MICHELE - (assustada) Que homem? Do que vocês estão falando?
JOANA – Eu vou falar uma vez só. Prestem atenção. Não digam o nome dele, pelo amor de Deus. Ele aparece! E é por isso que eu vou contar tudo para que vocês não repitam o nome dele.
MAIONESE – Mas o nome dele é esse mesmo? Homem da...
Todas partem para cima de Maionese, gritando.
MAIONESE – Calma, eu não vou falar o nome do homem da...
Todas partem novamente para cima de Maionese, gritando.
MICHELE – Para, Maionese! A mãe tá passando mal. Mãe, a senhora tá bem?
JOANA – Já estou melhor, minha filha! É que essa história mexe muito comigo.
MAIONESE – Foi mal, tia. Desculpa.
CAROL – Tá vendo, ô murrinha. Quase faz a tia bater as botas subitamente.
MAIONESE – Eu não tô falando com você.
MICHELE – Carol e Maionese, querem fazer o favor... Mãe!
JOANA – Estou melhor minha filha, já falei. Como disse, eu vou falar uma só vez para que vocês nunca mais repitam o nome da coisa. Quando eu era menina, eu tinha um amigo que se chamava Chiquinho. Nós vivíamos juntos. Brincávamos juntos. Estudávamos juntos. Éramos unha e carne. Onde tava um tava o outro. Parecíamos irmãos. Uma vez, numa noite como essa, o céu parecia que ia desabar, o Chiquinho desapareceu. O bairro inteiro procurou ele debaixo de chuva e nada. Na época, muita gente achou que ele sumiu morro abaixo com a água da chuva, mas ninguém sabe dizer ao certo.
MICHELE – Ai, mãe! Será que isso aconteceu com a Stéfani?
JOANA – Não, minha filha. A verdade está muito além da compreensão dessas pessoas.
CAROL – Ai, tia, tô ficando com medo.
MAIONESE – Eu também.
JOANA – O Chiquinho foi levado pelo homem... (cala a própria boca), pela alma penada, e nunca mais voltou.
MAIONESE – Que alma penada mais ruim, meu Deus do Céu!
CAROL – Ô Maionese, se a alma é penada, não quer dizer que ela é ruim, seu mula penada.
JOANA – Isso mesmo, Carolzinha. A alma penada, a coisa, não era ruim, mas foi enfeitiçada pela magia da caixa d’água.
MICHELE – Como assim, mãe?
MAIONESE – A caixa d’água aqui do morro é enfeitiçada?
JOANA – É, mas ninguém costuma falar sobre isso aqui no morro. A maldição da caixa d’água é uma coisa que ninguém comenta de tanto pavor que todo mundo tem.
MICHELE – Mas a senhora já contou essa história, mãe. É a história da menina que morreu afogada lá.
JOANA – A história é muito pior que você imagina, minha filha. Agora que vocês estão grandinhos, eu posso contar tudo.
MAIONESE – Tô todo arrepiado, tia.
CAROL – Eu também. Mas explica uma coisa detalhadamente: o que essa história tem a ver com o sumiço da Stéfani?
JOANA – Pois é, minha filha. É que o sumiço do Chiquinho, meu amigo, aconteceu igualzinho ao dá Stéfani: noite de sábado, chuva forte, raios, relâmpagos. Batiam na porta aqui de casa e não era ninguém, como hoje. O Chiquinho tinha a mesma idade da Stéfani quando ele desapareceu. Tudo igualzinho, minha Nossa Senhora! (chora)
CAROL – Ai, meu Deus! O que é que a gente vai fazer agora?
MAIONESE – Ah, se eu pego esse homem da...
TODOS – Maionese, cala boca!
MAIONESE – Eu afogo esse homem no Paraibuna.
CAROL – Você já viu alguma assombração ser afogada, Maionese?
MICHELE – Fica quieto, garoto.
MAIONESE – Não fico enquanto não achar a Stéfani. Ela é a garota mais lindura aqui do bairro. Eu sou apaixonado por ela. Alma penada nenhuma vai tirar ela de mim.
JOANA – Mas tira, meu filho! Infelizmente.
CAROL – Infelizmente é pouco, tia. Terrivelmente!
MICHELE – Mãe, não tem jeito? Que maldição é essa?
JOANA – Dizem os antigos que existe no fundo da caixa d’água uma maldição horripilante. Uma vez, num dia de muita tempestade, como esse, um homem muito violento, que tinha perdido a esposa no parto, foi chorar as mágoas na caixa d’água. Chegando lá, ele foi tomado por uma fúria apavorante. Parecia um lobo de tanto que urrava de saudade. Berrava o nome da esposa e nem se preocupava com o filho que tinha acabado de nascer. Dizem que era um menino lindo. Ele gritava, gritava o nome da mulher. Jogava pedras na caixa d’água. Tudo o que ele via, atirava na caixa d’água. A noite inteira de chuva ele passou imprecando contra a pobre coitada e sujando a água. No dia seguinte, as torneiras das casas não saiam água, saiam uma lama preta e com cheiro muito ruim. O pobre homem achava que foi a água da caixa d’água que havia matado sua mulher. No dia seguinte, quando ele acordou e foi ver o filho, o menino havia desaparecido do berço. Desesperado, o homem se jogou na caixa d’água porque ele tinha a certeza de que o pobrezinho do filho tinha sido raptado pela maldição. Desde então, a maldição volta quando ela, a coisa, é chamada em dias como esse para substituir o menino raptado. Foi assim com o Chiquinho, e agora é com a Stéfani. (chora)
MAIONESE – Mas o que que o erro dos antigos tem a ver com a gente hoje?
JOANA – Tem porque se a gente maltrata aquele lugar, quem sofre somos nós.
MAIONESE – Se eu pego essa assombração, eu faço ela virar isopor. Deve ter um jeito de acabar com essa maldade, gente. Ah, mas se esse homem da...
Michele tapa a boca de Maionese.
MICHELE – Maionese, não é possível! Você já ouviu mais de mil vezes que não é para falar o nome do HOMEM DA CAIXA D’ÁGUA!
Michele põe a mão na boca. De repente, surge o Homem da Caixa D’Água.
HOMEM – Quem me chamou?
MAIONESE – Você pronunciou o nome dela a terceira vez.
JOANA – É ele. O homem da caixa d’água. Meu Deus! Ele parece...
CAROL – O que é que a gente vai fazer agora? Faça alguma coisa imediatamente, Maionese.
MAIONESE – Faz você, Carolmente!
HOMEM – Me chamou e agora vai se ver com as profundezas da caixa d’água. Eu sou o pai das águas do morro. Quem ousa me perturbar?
MAIONESE – Muito prazer, seu entidade! Meu nome é Eustáquio José, mas pode me chamar de Maionese, o verdadeiro.
HOMEM – Ah, sei! Sai pra lá pirralho ou você quer ser afogado numa poça d’água?
MAIONESE – Eu num quero falar, não, mas foi a Michele que chamou a senhor. Não fui eu.
HOMEM – Michele! Quem é a Michele? Nome bonito para me substituir no reino das profundezas da caixa d’água.
Joana entra na frente de Michele.
JOANA – Mas primeiro você tem que passar por cima de mim!
HOMEM – Não queira me enfrentar, pois nada pode com a água, nem fogo, nem gelo, nem terra, nem ar. Tudo está sob o meu controle! Eu governo o mundo, e quem é você para provar o contrário?
CAROL – Dependendo da quantidade, dá pra segurar o senhor sim. Tanto é que tava agarrado nas profundezas da caixa d’água.
MAIONESE – Muito bem, Carol! O senhor tá mais pra espirro do que pra enchente. Vem, que eu pego você. Cadê a Stéfani, hein?
MULHER – Espirro? Você me lembrou muito bem.
Ele espirra, e Maionese desmaia.
HOMEM – Viram como é fácil. Se eu faço isso com um espirro, imagine com um berro meu.
MICHELE – Não, homem da caixa d’água. Por favor, poupa a gente!
JOANA – Não, minha filha, essa história é comigo. Quem o senhor pensa que é, raptando as crianças do bairro, tirando elas de suas famílias, deixando todos desesperados porque você é uma assombração infeliz, frustrada?!
HOMEM – Bom! Vamos acabar com isso logo. Não gosto de ouvir desaforos. Preparem-se para sumir, preparem-se para desaparecer para sempre, preparem-se para serem esquecidos, preparem-se para evaporar!
JOANA – Alto lá! Eu sei como acabar com isso.
HOMEM – Com isso o quê?
JOANA – Com essa maldição! Eu sei um segredo que eu guardei desde menina. Mas como eu nunca me encontrei com você eu não pude revelar. Nunca tive coragem de te olhar de frente. Eu poderia ter lhe chamado três vezes há muito tempo.
MICHELE - Mãe, desculpa. Fui eu a causadora disso tudo. Eu que chamei ela pela terceira vez.
JOANA – Minha filha, não se torture. Você está me dando uma oportunidade de olhar frente a frente para esse homem e resolver um problema antigo.
Joana olha bem no rosto do homem.
JOANA - Você se parece com alguém que eu conheço.
HOMEM – E você não se parece com nada que conheço tamanha é sua insignificância. Nunca te vi e sempre te odiei! Eu vou afogar todos vocês. E vai ser agora.
JOANA – Antes eu quero que você me faça as três perguntas líquidas.
HOMEM – Quem te ensinou isso?
JOANA – Meu pai. Ele era um homem muito sábio.
HOMEM – Maldição! Quer dizer então que você sabe tudo sobre as três perguntas líquidas!
JOANA – Sim e estou pronta para respondê-las.
HOMEM – Tem certeza? Você sabe que, se errar uma delas, a caixa d’água vai estourar e provocar um dilúvio aqui no morro.
JOANA – Mas se eu acertar, “tudo se revelará”, dizia meu pai.
HOMEM – Prepare para a primeira pergunta líquida: quem se molha mais ao sol?
JOANA – (pensa) Quem se molha mais ao sol?
HOMEM – Não pode repetir a pergunta.
JOANA – Onde está escrito isso?
HOMEM – Nos manuscritos pluviais.
JOANA – Nunca li.
HOMEM – É para poucos.
JOANA - Eu sei a resposta.
HOMEM – Duvido.
JOANA – É gelo. A resposta é gelo.
HOMEM – E a resposta está EXATA! Eu falei exata? Você acertou? Você acertou! Vamos à segunda pergunta líquida: por que a torneira fica pingando?
JOANA – (pausa) Porque ela não sabe fungar!
HOMEM – E a resposta está E-E-EXATA! Eu falei exata! Você acertou de novo? Você acertou, acertou!!! E eu não sei porque, mas eu tô feliz. Que bom que você acertou. Parabéns! Vamos à terceira e última pergunta líquida. Essa é a mais difícil. Preste atenção! Vamos lá, hein! O que é? O que é? Cai em pé e corre deitado.
JOANA – Chuva!
HOMEM – Você é muito previsível. Essa era a resposta esperada, mas... mas... mas... eu tenho que lhe dizer que... você acertou!!! (desmaia)
Joana vê que o homem é seu amigo de infância, Chiquinho.
JOANA – O homem da caixa d’água é o Chiquinho, meu amigo que estava desaparecido. Chiquinho! Acorda!
CHIQUINHO – Joana, é você?
JOANA – Sou eu, meu amigo. A maldição foi destruída. Você está de volta!
Eles se abraçam.
MAIONESE – Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem. Mas nada da minha lindura aparecer. A Stéfani, seu entidade, cadê a paixão da minha vida? O senhor sumiu com ela.
A luz volta, e Stéfani está atrás de Maionese.
STÉFANI – Não, seu bobo. Eu tô aqui. (beija no rosto de Maionese). Acabei de voltar da casa do meu tio. Ele disse que vai levar a gente pro baile de carro. A chuva passou, gente!
MICHELE – A gente pode ir ao baile, mãe?
JOANA – Pode, minha filha! Vamos todos!
Todos comemoram.
FIM
sexta-feira, 1 de abril de 2011
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