Não posso dedicar este livro aos preguiçosos. Como eles são como são, não vão nem saber que este livro existe. Eu dedico a quem não tem preguiça de ler, a quem gosta de uma coisa de que não gosto muito. Por isso, não vou dedicar nem a mim mesma. Pelo menos por enquanto.
Ai que preguiça danada de começar a escrever este livro! Ela não me deixa nem pensar, quanto mais colocar as idéias no papel. É verdade que eu já passei a perna nela porque o livro está pronto. Espero que você também faça a mesma coisa. Eu coloquei muito desenho colorido e a letra bem grande para a gente não dormir antes de ler tudo.
Bom, tem mais de quatro meses que estou enrolando o meu tio por causa deste livro. Ele ficou enchendo a minha paciência porque acha que escrever sobre preguiça ajuda a acabar com ela. Vamos ver. Vou fingir que a tal da moleza não existe e vou escrever mesmo que minha mão fique dormente e doa.
Eu sou uma menina de dez anos, e faz oito anos que sou preguiçosa. Dez menos oito é igual a dois. Certo? Então o que é que aconteceu que me deixou assim nessa época? Não vou responder agora. Será que você vai ser curioso o bastante para enganar a preguiça e ler tudo até o fim? Preguiça por preguiça, estamos juntos na preguicite. Se você já está bocejando só de ler, já estou segurando o queixo de tanto escrever.
A minha preguiça dá muito quando vou estudar. Em casa, é mais difícil porque estou sozinha. Na escola, passa mais rápido porque tem muita gente. Engraçado, não me dá preguiça quando vou brincar. Mas dá na hora de arrumar a bagunça. Na hora de juntar os brinquedos, que moleeeeeza! Não dá na hora de ir ao clube, brincar com os colegas e mergulhar na piscina. Dá na hora de voltar porque tenho que tomar banho. Na piscina, tem água. No chuveiro, também. Que diferença faz? A água de uma é mais divertida que a água de outro. A preguiça só dá quando tenho que fazer alguma coisa chata. Que chatices dão preguicites? Tenho muita, mas muita, preguiça de fazer dever.
- Sarah, vai fazer o dever agora!, diz a mamãe ou a vovó.
É o bastante para eu ir emburrada para a minha escrivaninha. Meu bico quase esbarra na folha de papel. Quando estou em cima dos cadernos, o sono é tão forte que quase me faz babar. Lutar contra ele é uma luta. E lutar cansa. Quer melhor descanso do que brincar? Mas tenho que fazer o dever. Que coisa!
E quando alguém me pede outra coisa, achando que está pedindo, mas dando uma ordem: Vai comprar pão! Vai lavar louça! Vai ajeitar a cama! Vai fazer o dever! Vai tirar poeira do móvel! Vai passar pano! Vai cuidar do seu irmão. Ai que preguiiiiiiiiiiiiiiça!!!!!! Se eu não tivesse que fazer essas coisas, eu ia ficar o dia inteiro no sofá vendo televisão. Tenho preguiça até de passar protetor solar. Não sou tão pequenininha mais. Tenho muita pele no corpo. E aí, haja paciência. Mas, ao mesmo tempo, sei que vou sofrer com as conseqüências de não ter passado. Vou ficar toda queimada. Vou descascar. Mais preguiça vou ter para me tratar depois. Prefiro economizar uma preguiça forte prevenindo com outra.
Com tudo isso, fica parecendo que não tenho paciência para nada. Por exemplo: eu não tenho preguiça de me arrumar para sair. Adoro passear. Eu não tenho preguiça de ficar na sala de bate-papo da internet. Aí não tenho preguiça de escrever. Por que será?
Eu fico me perguntando outra coisa: se você for preguiçoso, como está agüentado ler minha história até aqui? Ela é rapidinha. Já vai acabar. Calma! Nós, preguiçosos, gostamos mais de ver gravuras do que ler textos. Por isso, meu livro tem muitas gravuras. Meu tio falou que elas também são para serem lidas. Então, desse jeito, eu gosto de ler.
Mas, ai, meu Deus, vem ela outra vez! Para falar a verdade, estou com a mão doendo desde quando comecei a escrever a letra A do título. Bom, respiro fundo. Coço a cabeça. Levanto da cadeira. Bebo água. Vou ao banheiro. Lavo o rosto. Assim, a preguiça se afasta. Agora posso voltar a escrever.
Já me disseram uma vez:
— Se você tá escrevendo um livro sobre suas preguiças, é porque você sabe que é preguiçosa?
Se eu sei que tenho preguiça, porque não melhoro a preguiça? Porque tenho preguiça de melhorar a preguiça. Ai que infinito! Devia ter feito menos texto. Dava menos trabalho e não me embolava tanto. Vou acabar a minha história agora. Tô com pregui... Ah, não. Vou responder a pergunta que eu deixei sem resposta para que vocês não tenham preguiça de ler até aqui. Um suspense sempre assusta a preguiça.

Então o que é que aconteceu que me deixou assim? Quando eu tinha dois anos, fui passear na cidade de Teófilo Otoni, interior de Minas Gerais. Lá tinha uma praça com muitos animais que, coincidentemente, eram chamados de preguiça. Eu estava sentada no colo do meu pai quando aquele bicho peludo de unhas grandes apareceu. Eu passei a dividir o colo do meu pai com uma preguiça. E, assim, faz oito anos que sou preguiçosa. Aí, quando as pessoas me perguntam
porque eu tenho preguiça, eu conto essa história. Eu jogo sempre a responsabilidade no animal, não em mim. Pobre coitado! Mas aí ninguém prolonga muito o assunto, depois de rir da minha piada.
Mas, falando sério, acho que preguiça, você não pega. É uma coisa que está dentro da gente. Com o passar do tempo, ela desperta. Me sinto chateada quando estou com preguicite. Moleza cansa também! É uma inflamação que só um anti-inflamatório de ânimo dá jeito. É verdade que estou com preguiça de terminar de escrever essa bula de entusiasmo, mas cada um que crie a sua. Bom, se você me leu até aqui, não deve ter tanta preguiça assim. E nem eu devo ter tanta preguiça assim porque eu já escrevi muito.
Meu tio falou que com o tempo a danada passa. A gente tem que descobrir, por conta própria, uma maneira gostosa de afogar a preguiça. Não o animal, tadinho! Bom, tudo isso me fez pensar o seguinte: se eu leio e escrevo no chat, não reclamo. Se eu leio e escrevo no caderno, reclamo. Já sei! Vou fazer do meu caderno uma sala de bate-papo, onde aprendo conversando, onde converso aprendendo. Meu caderno será meu diário de conhecimento. Agora eu entendi porque a água do chuveiro e da piscina são a mesma água. Eu é que tenho que encarar a mesma água com a mesma alegria. Ler e escrever pode não ser chato se vejo motivo para ler e escrever.
Sarah e eu



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ResponderExcluirvamos afogar a preguiça na piscina!
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